sábado, 23 de abril de 2016

2. Os Contratos de Parceria e Arrendamento frente ao Fisco Federal

A Receita Federal[1] (obs. até a data de edição deste livro, em 2008)  tinha ou tem o seguinte entendimento sobre o tema Contratos de Parceria e Arredamento, no tópico perguntas e respostas. Vejamos:
Contratos de Parceria e Arrendamento
078. Para a legislação do ITR, o que é parceria rural?
O conceito é o mesmo das legislações civil e agrária. É o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o exercício, parcial, do poder de uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (Estatuto da Terra, art. 96, VI e Dec. nº 59.566/66).
079. Quais são as espécies de contrato de parceria rural?
Há duas espécies de parceria, a agrícola (CC, art. 1.410) e a pecuária (CC, art. 1.416), conforme o objeto seja o cultivo da terra ou o tratamento e criação dos animais, nada impedindo que no mesmo contrato as duas finalidades sejam reunidas.
080. Quais as características do contrato de parceria agrícola?
Contrato consensual, bilateral, oneroso, aleatório e intuitu personae, vale dizer, intransmissível por ato inter vivos ou causa mortis. Mas subsiste quando o prédio se aliena, mantendo-se a situação do parceiro-cultivador, e sub-rogando-se no adquirente os direitos e obrigações do alienante.
Se tiver sido ajustado por prazo determinado, a duração convencionada tem de respeitar-se; se por prazo indeterminado, o adquirente há de esperar até a próxima colheita, e não despedirá o parceiro senão mediante pré-aviso de seis meses.
O proprietário tem o dever de entregar o prédio em condições de receber o cultivo, salvo estipulação em contrário, e a ele incumbem os encargos do prédio, se os não assumir o colono (CC, art. 1.411). O parceiro tem o dever de empregar toda a sua diligência nos trabalhos agrícolas, procedendo conforme determina a boa-fé. Realizará as culturas contratadas, dando os seus esforços para que produzam o maior rendimento.
Sendo aleatório o contrato, não tem qualquer das partes direito a um proveito ou retribuição certa. Ao contrário, os riscos de caso fortuito ou força maior correrão em comum contra o proprietário e o parceiro. Aplicam-se subsidiariamente a este contrato as regras da locação de prédios rústicos (Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil).
081. O que se entende por parceria pecuária?
O proprietário tem a obrigação de entregar ao parceiro-tratador os animais, de acordo com o contrato. Sofrerá, aquele, os prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, porém cabem-lhe os proveitos que se obtenham dos animais mortos, pertencentes ao capital (CC, art. 1.420). Ao parceiro-tratador incumbem, salvo ajuste em contrário, as despesas com o tratamento e criação. As crias dos animais, e os seus produtos, como peles, crinas, lãs, leite, deverão ser partilhadas segundo o que tiver sido estipulado, e, na falta de ajuste, em partes iguais. Aplicam-se subsidiariamente a este contrato as regras da sociedade (Caio Mário da Silva Pereira, in Instituições de Direito Civil).
082. Para efeito do ITR, o que é arrendamento rural?
O ITR adota o mesmo entendimento das legislações civil e agrária. É o contrato agrário pelo qual o titular se obriga a ceder a outra pessoa, por tempo determinado ou não, o exercício, parcial, dos poderes de uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da lei (Dec. nº 59.566/66). O cedente é chamado de arrendador, enquanto o arrendatário é a pessoa que recebe o prédio em aluguel ou arrendamento. O arrendador pode ser o proprietário, o usufrutuário, o usuário ou possuidor, enfim aquele que tenha a livre administração do imóvel rural (Pinto Ferreira, in Curso de Direito Agrário).
083. No que diferem os contratos agrários de parceria e de arrendamento?
Os contratos de parceria e de arrendamento, quanto à natureza jurídica, configuram obrigação pessoal (direito obrigacional), porém diferem:
I - quanto ao exercício dos poderes inerentes ao domínio:
a) no contrato de parceria, o cedente (parceiro-outorgante) transfere apenas o exercício, parcial, do poder de uso;
b) no contrato de arrendamento, o cedente (arrendador) transfere ao arrendatário o exercício, parcial, dos poderes de uso e gozo.
II - quanto à responsabilidade pelos riscos da atividade e remuneração do cedente:
a) no arrendamento, o cedente (arrendador) recebe do arrendatário retribuição certa ou aluguel, pouco importando se este se houve bem ou mal no empreendimento;
b) na parceria, o cedente (parceiro-outorgante) partilha com o parceiro-outorgado os riscos e os lucros havidos, conforme avençado.

084. A relação jurídica, estabelecida pelo contrato de arrendamento de imóvel rural ou de parceria rural ou de comodato de imóvel rural, é de natureza obrigacional. O que distingue o direito real do direito obrigacional ou pessoal?
I - O direito real tem as seguintes características:
a) é provido de ação real, que prevalece contra qualquer detentor da coisa, razão pela qual preferem muitos denominá-lo de absoluto;
b) oponibilidade erga omnes: no polo ativo da relação jurídica está o titular do direito real sobre determinado bem ou coisa; no polo passivo estão todas as pessoas da coletividade, indeterminadamente. A oponibilidade erga omnes, portanto, consiste no poder assegurado ao titular de um direito real de opor contra todas as pessoas da comunidade esse seu direito, devendo estas nada fazer, senão se abster ou tolerar;

c) aderência: ambulatoriedade e seqüela - pela aderência o direito se une à coisa de forma inseparável ou incindível, de sorte que se esta muda de lugar ou muda de detentor, o direito continua ligado a ela. Ora, se o direito também se movimenta sempre que a coisa se movimentar, deve-se concluir que o direito real é um direito ambulante, é um direito que se movimenta. Ambulatoriedade é, precisamente, essa capacidade que tem o direito real de se movimentar.
 Seqüela significa o poder conferido ao titular de um direito real de perseguir a coisa, tomar e trazê-la de volta;
d) taxatividade (tipologia numerus clausus) – o nº de direitos reais é taxativo, vale dizer, numerus clausus. Isso significa que os direitos reais têm um modelo definido pela própria lei que os cria (tipicidade) e um nome (nominatividade), não podendo as partes criar nenhum outro;
e) normas cogentes (de interesse público, inderrogáveis pelas partes), ou seja, de observância obrigatória;
f) posse – somente os direitos reais são suscetíveis de posse;
g) perenidade.
II - O direito obrigacional ou pessoal tem as seguintes características:
a) direito relativo – só vincula juridicamente as partes contraentes. No polo ativo, está o credor da obrigação; no polo passivo, está o devedor da obrigação, cujo objeto é uma prestação positiva ou negativa (dar, fazer ou não fazer);
b) tipologia numerus apertus, ou seja, a tipologia é livre, desde que se respeite o seguinte: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei;
c) normas dispositivas (de livre fixação pelas partes contraentes);
d) transitoriedade.
085. O que vem a ser falsa parceria?
Em algumas regiões do País, entende-se ou dá-se o nome de "parceria" a um contrato de trabalho rural, no qual o trabalhador percebe salário, parte em dinheiro e parte percentual da lavoura cultivada ou do gado tratado. Neste caso, a direção dos trabalhos, o custeio e conseqüente risco do empreendimento são de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário do imóvel rural. Portanto, trata-se de falsa parceria ou contrato de trabalho rural (Pinto Ferreira, in Curso de Direito Agrário).”


3. Imóveis rurais destinados à Reforma Agrária – Projetos de Assentamentos – restrições ao arrendamento e parceria.
                       

Os Imóveis rurais desapropriados e destinados à Reforma Agrária são tratados de modo especial pela legislação federal. Assim sendo, a parceria e arrendamento rural tendo como objeto esses bens, de um modo geral são nulos.

3.1 Ocorre que ao promover a desapropriação, normalmente através de ação judicial, com a concessão de medida liminar concedendo a posse ao INCRA, ou mesmo diante da decisão em definitivo transitada em julgado, a referida Autarquia Fundiária, por ato administrativo (portaria) cria o Projeto de Assentamento (PA).

Ali fixa um determinado número de famílias de acordo com a capacidade do imóvel para que nele elas possam exercer a atividade com possibilidade de extrair renda digna para seu sustento.

 Leva-se em conta a vocação, a vivência no meio rural e a capacidade profissional do assentado para a atividade agropecuária.

Primeiramente é formalizado um contrato de assentamento que transfere apenas a posse direta do imóvel para uso e gozo, porém, os assentados não detêm o poder de dispor do bem do modo que lhes convém.

Os assentados são rigorosamente acompanhados pelos INCRA, objetivando a emancipação sócio-econômica deles e, por conseqüência, a consolidação do projeto.

Esse processo poderá demorar anos, uma vez que a Autarquia no interesse do crescimento das pessoas beneficiadas pelo programa, possibilita financiamentos como exemplo, o de infra-estrutura básica para que famílias previamente selecionadas se instalem, disponibilizando vias de acesso, energia elétrica, escolas, armazéns e serviços de assistência técnicas e creditícias.

A conseqüência disso decorre que os assentados adquirirão a propriedade plena somente após ato de consolidação ou emancipação do projeto com a concessão dos títulos definitivos. Mesmo após a concessão do referido título, não poderão negociá-lo pelo período de 10 anos, computado o período contratual.

Enquanto isso não ocorrer, a exploração da área tem nítido caráter pessoal e intransferível a terceiros, segundo o art 59 do Decreto 59.428/66 o parceleiro deve cultivar direta e pessoalmente sua parcela”, de modo que eventual contrato com terceiro, por ele realizado, ferirá disposição expressa de legislação Federal. Vejamos a  Lei nº 8.629/93:

“Art. 18 - A distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se- á através de títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos.
§ 1º O título de domínio de que trata este artigo conterá cláusulas resolutivas e será outorgado ao beneficiário do programa de reforma agrária de forma individual ou coletiva, após a realização dos serviços de medição e demarcação topográfica do imóvel a ser alienado.
§ 2° Na implantação do projeto de assentamento, será celebrado com o beneficiário do programa de reforma agrária contrato de concessão de uso, de forma individual ou coletiva que conterá cláusulas resolutivas, estipulando-se os direitos e as obrigações da entidade concedente e dos concessionários, assegurando-se a estes o direito de adquirir, em definitivo, o título de domínio, nas condições previstas no parágrafo anterior, computado o período da concessão para fins da inegociabilidade de que trata este artigo.

Art. 22 - Constará, obrigatoriamente, dos instrumentos translativos de domínio ou de concessão de uso cláusula resolutória que preveja a rescisão do contrato e o retorno do imóvel ao órgão alienante ou concedente, no caso de descumprimento de quaisquer das obrigações assumidas pelo adquirente ou concessionário. “

A presente Lei recepcionou o Decreto 59.428/66, cujo art. 77 autoriza a rescisão contratutal:

“Art 77. Será motivo de rescisão contratual:
a) deixar de cultivar direta e pessoalmente sua parcela por espaço de três meses, salvo motivo de força maior, a juízo da Administração do núcleo;
b) deixar de residir no local do trabalho ou em área pertencente ao núcleo, salvo justa causa reconhecida pela Administração;
c) desmatar indiscriminadamente, sem imediato aproveitamento agrícola do solo e respectivo reflorestamento, de acordo com diretrizes do projeto elaborado para a área;
d) não observar as diretrizes técnicas, econômicas e sociais definidas no respectivo projeto de colonização, desde que esteja o parceleiro convenientemente assistido e orientado.
e) não dar cumprimento às condições do termo de compromisso e dos contratos de promessa de compra e venda e de colonização;
f) tornar-se elemento de perturbação para o desenvolvimento dos trabalhos de colonização do núcleo, pró má conduta ou inadaptação à vida comunitária.”

3.2 No tocante a perspectiva do direito à propriedade, por parte dos assentados, pode-se dizer que a consolidação de um assentamento deriva de um procedimento de verificação da condição de vida autônoma do projeto, sempre por ato declaratório do órgão, art. 68 da Lei 4.504/64:
.
Art. 68. A emancipação do núcleo ocorrerá quando este tiver condições de vida autônoma, e será declarada por ato do órgão competente, observados os preceitos legais e regulamentares.

Os preceitos legais e regulamentares a que se refere este artigo são desconhecidos, com exceção à Norma de Execução nº 09 de 2001, a qual transcrevemos no anexo III item 5, que estabelece procedimentos de caráter interno ao Órgão.

Esse é mais um ponto nebuloso na legislação agrária que impede seja aplicada uma política agrícola transparente no tocante à emancipação de um projeto de assentamento, ficando à mercê da discricionariedade da administração pública em regulamentar, muitas vezes paternalista e noutras ausente dos problemas.

Assim o rumo à emancipação de um projeto tem que ser regrado ou vinculado através de metas e padrões sociais numa visão interdisciplinar da política agrária (questões econômicas/rendas, educação/alfabetização crescente, saúde/higiene sanidade...)

Por ora resta retornar ao tema, confiando na discricionariedade administrativa dos Órgãos encarregados.

Assim ao não ter sido efetivado o requisito de vida autônoma, o direito ao imóvel constitui-se em mera expectativa que não pode ser oposta ao direito de propriedade do Órgão Público/UNIÃO.

Ademais, em hipótese alguma poderá ser considerado como direito adquirido enquanto o assentamento não estiver consolidado, ficando os atos de vontade do particular vinculado ao certame legal acima (discricionariedade da administração).

3.3 Por outro lado, os contratos de assentamento são constituídos de cláusulas financeiras, as quais obrigatoriamente consignam a cobrança do valor da terra nua desapropriada e parcelada. No entanto, na maioria das vezes os ressarcimentos desses valores são protelados diante da notória condição hipossuficiente dos assentados.

Isso faz com que o projeto de emancipação seja adiado, com novos investimentos por parte do Órgão em busca do progresso social e econômico do núcleo.

Portanto, está posta a razão pela qual os contratos de arrendamento e de parceria sofrem severas restrições no tocante às áreas destinadas à reforma agrária.

Fato que nos autoriza dizer que são nulos objetivamente e subjetivamente, uma vez que o bem imóvel como objeto tem destinação específica com uso controlado ou de fins especializado, assim como a característica da pessoa/sujeito que explora o imóvel é levada em conta.

3.4 Diga-se, enquanto o titulo de propriedade não for transmitido com a decorrência do lapso de dez anos, as terras destinadas à reforma agrária são de propriedade da União, portanto, relativo ao objeto do contrato também temos restrições. Vejamos o que diz o Estatuto da Terra:

Lei 4.504/66:
Art. 94. É vedado contrato de arrendamento ou parceria na exploração de terras de propriedade pública, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. Excepcionalmente, poderão ser arrendadas ou dadas em parceria terras de propriedade púbica, quando:
a) razões de segurança nacional o determinarem;
b) áreas de núcleos de colonização pioneira, na sua fase de implantação, forem organizadas para fins de demonstração;
c) forem motivo de posse pacífica e a justo título, reconhecida pelo Poder Público, antes da vigência desta Lei.


Em suma os contratos de assentamento são constituídos intuitu personae com cláusulas financeiras de ressarcimento do valor da terra nua desapropriada, muitas vezes protelado em razão da condição hipossuficiente dos assentados, sendo que a propriedade da União sofre restrições ao arrendamento e parceria no art. 94 do Estatuto da Terra.

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