sábado, 16 de abril de 2016

CAPITULO IV - Definição, características, requisitos dos Contratos Agrários

Definição, características, requisitos dos Contratos Agrários


1. O conceito normativo do que seja contrato agrário vem definido no art, 1º do Decreto 59.566/66:
“Art 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista (art. 92 da Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 - Estatuto da Terra - e art. 13 da Lei nº 4.947 de 6 de abril de 1966).”

Portanto, para caracterização do contrato agrário é necessário que se faça realizar entre o proprietário, detentor ou quem tenha a livre administração de um imóvel rural e a pessoa que nele vai exercer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista.

2.Requisitos objetivo, subjetivo e de forma

 Mas para que tenhamos o contrato agrário não basta a qualidade da pessoa e característica do bem. Sobressaem outros requisitos tais como os inerentes ao objeto, que seja válido, a prudente observação quanto à capacidade jurídica dos contraentes, a licitude do objeto do contrato, a forma se permitida ou não proibida entre outros requisitos, que veremos adiante.


3. Natureza  dos Contratos Agrários

Em linhas gerais os contratos agrários são de natureza:

-Bilateral com direitos a obrigações recíprocas;
-Consensual deve haver mútuo consentimento de conformidade com os ditames legais;
-Oneroso, uma vez que os participantes objetivam vantagens e sacrifícios recíprocos para sua consecução;
-Aleatório (porém no futuro plenamente determinável), especialmente no que se refere à parceria, posto que a vantagem esperada depende de fatores externos ao pacto. Todavia, no contrato de arrendamento a prestação poderá estar quantificada em valores independentes do sucesso do empreendimento contratado, tendo caráter comutativo;
-Não solene: a lei e o regulamento possibilitam que sejam celebrados de forma escrita ou oral;
-Intuitu personae [1]( art. 13 da Lei 4.947, V) - celebrado em função da pessoa do contratante, é o chamado cultivo direto e pessoal ainda que pelos seus familiares. Observe-se que o conceito dessa modalidade vem estabelecido no art. 13 da Lei 4.947, V, “em nota de rodapé”, em que limita o conceito de cultivo direto e pessoal quando cultivador não utilize assalariados em quantia superior aos membros ativos do conjunto familiar.

Sob o enfoque do parágrafo único do art. 2º do Decreto nº 59.566/66, os contratos sofrem a incidência normativa, sob pena de nulidade em caso de descumprimento das regras legais regedoras do pacto. Vejamos:

“Art 2º Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos (art.13, inciso IV da Lei nº 4.947-66).
Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito.”

Temos que a natureza e linhas gerais dos contratos agrários apontam para serem: bilateral, consensual, oneroso, aleatório na parceria e comutativo no arrendamento, não solene e intuitu personae, cujos direitos são irrenunciáveis.

3.1 Natureza de Direito Real

 Outra questão reside em definir se o contrato de arrendamento, exceto o de parceria, tem natureza de direito real. Podemos afirmar que o contrato de arrendamento caracteriza-se diante do poder de uso e fruição do bem, apesar de predominar o caráter obrigacional, há uma estreita ligação com direito real.

Nesse sentido o estudo oferecido no site da Receita Federal[2], arrola elementos de fundamental importância para a distinção entre direito real e pessoal. Vejamos:
“I - O direito real tem as seguintes características:
a) é provido de ação real, que prevalece contra qualquer detentor da coisa, razão pela qual preferem muitos denominá-lo de absoluto;
b) oponibilidade erga omnes: no polo ativo da relação jurídica está o titular do direito real sobre determinado bem ou coisa; no polo passivo estão todas as pessoas da coletividade, indeterminadamente. A oponibilidade erga omnes, portanto, consiste no poder assegurado ao titular de um direito real de opor contra todas as pessoas da comunidade esse seu direito, devendo estas nada fazer, senão se abster ou tolerar;
c) aderência: ambulatoriedade e seqüela - pela aderência o direito se une à coisa de forma inseparável ou incindível, de sorte que se esta muda de lugar ou muda de detentor, o direito continua ligado a ela. Ora, se o direito também se movimenta sempre que a coisa se movimentar, deve-se concluir que o direito real é um direito ambulante, é um direito que se movimenta. Ambulatoriedade é, precisamente, essa capacidade que tem o direito real de se movimentar. Seqüela significa o poder conferido ao titular de um direito real de perseguir a coisa, tomar e trazê-la de volta;
d) taxatividade (tipologia numerus clausus) – o nº de direitos reais é taxativo, vale dizer, numerus clausus. Isso significa que os direitos reais têm um modelo definido pela própria lei que os cria (tipicidade) e um nome (nominatividade), não podendo as partes criar nenhum outro;
e) normas cogentes (de interesse público, inderrogáveis pelas partes), ou seja, de observância obrigatória;
f) posse – somente os direitos reais são suscetíveis de posse;
g) perenidade.
II - O direito obrigacional ou pessoal tem as seguintes características:
a) direito relativo – só vincula juridicamente as partes contraentes. No polo ativo, está o credor da obrigação; no polo passivo, está o devedor da obrigação, cujo objeto é uma prestação positiva ou negativa (dar, fazer ou não fazer);
b) tipologia numerus apertus, ou seja, a tipologia é livre, desde que se respeite o seguinte: agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei;
c) normas dispositivas (de livre fixação pelas partes contraentes);
d) transitoriedade.”


Em que pese à conclusão do fisco ter se inclinado no sentido de caracterizar esses instrumentos como  relação de natureza jurídica obrigacional ou pessoal, posto afirmar que os direito reais são numerus clausus entendemos ser salutar que a caracterização, em ser real ou pessoal, deva  passar necessariamente pela  análise, caso a caso, em face dos requisitos supra apontados.

Tal caracterização, se de natureza real e não puramente obrigacional ou pessoal, entre outras utilidades, poderá legitimar o contratado arrendatário nas ações contra terceiros na defesa do bem imóvel, mesmo sem o consentimento do proprietário arrendador. Logicamente desde que o contrato obedeça ao padrão normativo bem como levado ao registro competente.


4. - Delimitação Normativa dos Contratos Agrários

Ao comentar sobre Parceria e Arrendamento Rural em sua obra Contratos, Arnaldo Rizzardo[3]  aduz que “Embora fosse o Brasil ao tempo da aprovação do Código Civil de 1916 predominantemente rural, poucos eram os dispositivos reservados a questões rurais, sobressaindo o caráter de uma legislação eminentemente urbana. Tratou de um único contrato agrícola, que foi a parceria. Seus dispositivos tinham função apenas supletiva, pois tanto a parceria como o arrendamento vinham disciplinados por leis próprias, como a Lei nº 4.504, de 30.11.1964 (Estatuto da Terra) e o Decreto nº 59.566 de 14.11.1966. O Código de 2002 não trouxe qualquer regulamentação da matéria, ficando sua disciplina reservada à lei especial.”

Em similar entendimento, na sua obra editada no ano de 1978, se manifesta Caio Mário da Silva Pereira[4]: “As disposições do Código Civil a respeito, demasiadamente individualista, desatualizaram-se. Haverá mister a criação de um melhor critério de amparo quando se elaborar o estatuto da terra.”.
                                  
4.1 Dentro de um determinado micro sistema legislativo como ao que nos propomos a analisar, devemos levar em conta o fato de que a primeira grande norma a dar suporte as demais regras é a Constituição Federal. Em vários dispositivos entre eles o da garantia à propriedade e de sua função social (art. 5º, Inc. XXII e XXIII)[5] do aproveitamento e da utilização, art. 186[6], ela fixa diretrizes e princípios em prol dos proprietários e dos trabalhadores dando suporte ao estatuto da terra e as demais regras complementares e especializadas.

No campo específico o diploma basilar é o Estatuto da Terra Lei 4.504/66, em seu capítulo IV, título I, surgindo em seguida a Lei 4.947/66 (arts. 13 a 15 - CAPÍTULO III - Dos Contratos Agrários) como normas complementares e por sua vez o Decreto 59.566/66 regulamentando com maiores detalhes os contratos agrários.

O Código Civil de 1916 tratava o tema de modo tímido em seus artigos 1.410 a 1.423 dando ênfase à parceria, por sua vez extensiva ao arrendamento. Já o atual cedeu lugar de vez à legislação especial aqui tratada.

4.2 Toda a temática que envolve os Contratos Agrários não se resume tão somente na questão legislativa, seja ela avulsa ou codificada. Existe pelo menos um princípio que deve ser seguido. Nesse diapasão, vale aqui observar a questão da Função Social da Propriedade, por se tratar de princípio norteador do ordenamento jurídico. Ele foi tratado com clareza no parecer elaborado por Joaquim Modesto Pinto Junior e Valdez Adriani Farias[7], quando efetua a seguinte conclusão:  “a) Deflui da ordem jurídica positivada que no conceito de função social está contido o conceito de produtividade, mas que no conceito de produtividade também estão contidas parcelas dos conceitos de função ambiental, função trabalhista e função bem estar, isto é, que a função social é continente e conteúdo da produtividade.”. Assim, a função social da propriedade erradia novos conceitos que não podem ser vistos apenas como um segmento, por exemplo, da produtividade.

Em torno da função social da propriedade como instituto ou princípio de Direito Público elevado aos patamares Constitucional, especialmente após a edição da Constituição Federal de 1988, é que se construiu e se acolheu todo um ordenamento jurídico específico direcionado aos contratos agrários. Doravante se preocupando mais com a condição social desfavorecida dos rurícolas (parceiro e arrendatário) desprovidos de propriedade, ao estabelecer normas em que contemplam regras cogentes e de observância obrigatória, bem como tem preocupação com outros assuntos, entre eles o do meio ambiente.

Descoberto que a origem principiológica do tema esta localizada na função social da propriedade, conclui-se então que o contorno legislativo sobre a matéria, sem desconsiderar as regras relativas ao meio ambiente, trabalhistas etc, encontra-se delineado no Estatuto da Terra Lei 4.504/64 e no seu regulamento Decreto 59.566/66. O código civil, anterior e atual, serviu e serve como fonte supletiva na omissão das aludidas normas especiais. Alias é o que reza o § 9º do art. 92 do ET no mesmo sentido o art. 88 do aludido Decreto Regulamentar:
“Lei 4.504/64
art. 92 ...
§ 9º Para solução dos casos omissos na presente Lei, prevalecerá o disposto no Código Civil.

Decreto 59.566/66:
 Art 88. No que forem omissas as Leis 4.504-64, 4.947-66 e o presente Regulamento, aplicar-se-ão as disposições do Código Civil, no que couber.”

O fato do novo Código Civil não dispor expressamente sobre contratos agrários não o afasta do cenário jurídico, aqui comentado, o certo é que as regras sobre capacidade, vontade, nulidade, e demais elementos, são conceitos dele extraídos. Já as cláusulas essenciais e necessárias que tipificam ou qualificam o objeto do contrato agrário, tanto as regulamentares[8] como financeiras são tratadas nas leis especiais aqui estudadas. Quando arroladas ou reconhecidas como obrigatórias elas são aplicadas ainda que não expressas, uma vez que implicitamente são reconhecidas como privilégios irrenunciáveis, consoante o já citado art. 2º do Decreto 59.566/66.





[1]              “art. 13, V da Lei 4947/66: V - proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores diretos e pessoais. art. 8º do Decreto 59.566/66: Art 8º Para os fins do disposto no art. 13, inciso V, da Lei nº 4.947-66, entende-se por cultivo direto e pessoal, a exploração direta na qual o proprietário, ou arrendatário ou o parceiro, e seu conjunto familiar, residindo no imóvel e vivendo em mútua dependência, utilizam assalariados em número que não ultrapassa o número de membros ativos daquele conjunto.
                    Parágrafo único. Denomina-se cultivador direto e pessoal aquele que exerce atividade de exploração na forma deste artigo.

[3]              Rizzardo, Arnaldo.Contratos. 3ª ed. RJ Forense, 2004 p. 1059.
[4]              Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. RJ. Forense, 1978.p.264
[5]    XXII - é garantido o direito de propriedade;XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

[6]    Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
      I - aproveitamento racional e adequado;
      II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
      III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
      IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

[7]              Joaquim Modesto Pinto Junior e Valdez Adriani Farias. Função Social da Propriedade – dimensões ambiental e trabalhista. Nead debate, p.48.
[8]              Segundo o conceito extraído do Atos da Comissão Diretora do Senado nº 24 de  1998, item  XI , assim conceitua “Cláusula regulamentar, aquela de conteúdo ordinatório, que trata da forma e do modo de execução do contrato;”

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