Uma das missões deste estudo também é
observar certas situações que podem levar ao embaraço da parte contratante na
relação negocial. Por isso, lembramos aos parceiros outorgantes para que fiquem
atentos no tocante às questões da produtividade do imóvel arrendado, uma vez
que a desapropriação como instituto em voga, normalmente incide quando ele não
estiver cumprindo sua função social. Dentro dos mandamentos Constitucionais e
da legislação agrária, a terra é vista como meio de produção e não um
patrimônio de acumulação de riquezas.
1.1 A Constituição Federal de 1988 veio
determinar, em seu art. 186, que a propriedade rural cumprirá sua função
social, que lhe é inerente, desde que atenda simultaneamente aos critérios e
graus de exigência estabelecidos em lei.
O dispositivo afigurava-se como norma
constitucional não auto-aplicável, demandando, a edição de lei que fixasse os
citados critérios e graus.
Assim sendo, mediante o clamor da sociedade civil pela efetivação da Reforma
Agrária em nossa nação, veio o legislador pátrio a editar a Lei n.º 8.629/93 (com algumas
alterações da Lei nº 13.001, de 2014) que contemplou os
critérios e graus de mensuração da produtividade dos imóveis rurais, além é
claro, das demais questões específicas como as indenizações, regras de assentamentos, beneficiários e financiamentos.
Portanto, os critérios e graus de mensuração
da produtividade foram previstos e
definidos no art. 6º e seus parágrafos, que preceitua, verbis:
“Art.
6º. Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e
racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e
eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal
competente.
§
1º. O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá
ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação
percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do
imóvel.
§
2º. O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a
100% (cem por cento), e será obtido com a seguinte sistemática:
I
– para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto
pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do
Poder Executivo, para cada Microregião
Homogênea;
II
– para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA)
do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do
Poder Executivo, para cada Microrregião
Homogênea;
III
– a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo,
dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem),
determina o grau de eficiência na exploração.”
1.2 Os critérios e graus para a determinação
da produtividade do imóvel rural estão taxativamente fixados na Lei. Para
tanto, faz-se uso de dois meios de aferição da produtividade, quais sejam, o
Grau de Utilização da Terra – GUT e o Grau de Eficiência na Exploração – GEE.
Na aferição do GUT deve-se considerar o
imóvel de per si, ou seja, para
calculá-lo não há necessidade de comparação com nenhum outro imóvel ou imóveis
que estejam inseridos no mesmo contexto fático de produção, com a utilização de
dados individuais conclui-se se o mesmo atinge ou não o índice exigido.
No tocante a definição do GEE, o imóvel rural
é analisado em comparação com a média alcançada pela microrregião à qual ele se
integra. Verifica-se a modalidade de exploração do imóvel e faz-se um estudo
comparativo com a média obtida na microrregião em que está inserido, para então
se apontar a sua eficiência.
Relativamente ao GUT o legislador fez com que
a Lei 8.629/93 dispusesse concretamente a respeito dos índices a serem
alcançados pelo imóvel, e o faz determinando que a área efetivamente utilizada
deva ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento) da área aproveitável.
Contudo, para a fixação dos índices a serem alcançados em cada microrregião
faz-se necessária a delegação de competência ao Poder Executivo, representado, in casu, pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
1.3 A necessidade
de delegação é inquestionável, uma vez que a lei (sentido material e formal)
apresenta entre suas principais características a generalidade, abstratividade
e permanência que devem conter seus comandos, logo, exigir-se que fizesse a
previsão específica e individuada da média de produção de cada uma das
inumeráveis microrregiões homogêneas do imenso, continental, território
brasileiro, seria, por certo, afronta as ditas características.
Daí porque a fixação dessa produção é
eminentemente de competência dos órgãos da Administração Pública, no caso o
INCRA, em seu poder-dever, inerente aos poderes administrativos confiados, de
fazer cumprir a lei de ofício.
Ainda que tal atribuição recaia INCRA a
fixação da média de produção de cada microrregião, não deixa a Lei de dispor em
seu texto do índice de eficiência que cada imóvel deve apresentar diante do
quadro geral, qual seja, igual ou superior a 100% (cem por cento).
1.4 O STF já se manifestou na pessoa do
ínsigne Ministro Ilmar Galvão:
“(...) Não pode ser aceito, dado não
ser razoável, exigir que a lei, além de estabelecer os critérios definidores da
propriedade produtiva, como o fez (Lei n.º 8.629/93), viesse a fixar cada um
dos índices de rendimento de atividades, agrícolas e pastoris, a serem
alcançados nas diversas microrregiões identificáveis no vasto território
nacional, tarefa que, obviamente, somente poderá ser cumprida, e de forma
paulatina, pelos órgãos da Administração. (MS 22.193-3/SP – Sessão Plenária de
29/08/96).”
Destarte, a Lei 8.629/93 fixa em seus
dispositivos os critérios e graus de apuração de produtividade, delegando ao
Poder Executivo, INCRA, apenas a definição das especificidades regionais que
ela, por impossibilidade, não se incumbe de prever.
Outros julgados demonstram
o assunto estar consolidado pela Corte Suprema, podendo ser sintetizado no
seguinte julgado, prolatado pelo Pleno, à unanimidade, verbis:
“EMENTA: - Desapropriação
de imóvel rural por interesse social, para fins de reforma agrária.
Notificação administrativa
apta à finalidade a que se destina.
Constitucionalidade das
disposições constantes do art. 6º, e seus parágrafos, da Lei n.º 8.629/93.
Alegação de haver-se
procedido à vistoria por meio de um técnico. Matéria ligada à conveniência
interna do órgão, sem configurar ilegalidade, nem direito subjetivo oponível
pelo proprietário impetrante.”
Noutro julgado
assim afirmou o eminente Ministro Relator Octávio Gallotti:
“Não vislumbro igualmente, eiva de
inconstitucionalidade nas disposições da Lei n.º 8.629/93, que, no seu art. 6º,
e seus parágrafos, fixaram o grau de utilização da terra, em razão da área
aproveitável, bem como a sistemática de obtenção do grau de eficiência,
deixando ao órgão do Poder Executivo o estabelecimento dos índices de rendimento
dos produtos agrícolas e de lotação de unidades pecuárias.
Esses índices, cuja elaboração está sujeita às
características variáveis no tempo e no espaço e vinculadas a fatores
censitários periódicos, são por sua natureza, tarefa do Poder Executivo, de nenhum
modo condizente com o grau de abstração e permanência que se espera de
providência de hierarquia legislativa.”
(Mandado de Segurança n.º 22302-2/PR, denegado por
votação unânime do Plenário do STF)
1.5 Podemos
concluir que a Lei n.º 8.629/93, ao regulamentar a Carta Magna, remete ao Poder
Executivo a atribuição de fixar pormenorizadamente os índices e graus para
apuração da produtividade dos imóveis rurais.
Por sua vez esta
tarefa encontra-se atribuída, haja vista expressa determinação de
diversos diplomas legais, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária – INCRA.
Tal atribuição vem anteriormente a Lei
8.629/93 retornando historicamente ao Estatuto da Terra que atribui ao INCRA
(ou a seus antecessores, mas que sempre enfeixaram os mesmos limites de
atribuições) a determinação de aferir esses índices ou padrões indicativos da
produtividade, conforme disposto no artigo 46 que preceitua, verbis:
“Art.
46. O Instituto Brasileiro de Reforma Agrária promoverá levantamentos, com
utilização, nos casos indicados, dos meios previstos no Capítulo II do Título
I, para a elaboração do cadastro dos imóveis rurais em todo país, mencionando:
(...)
III
– condições da exploração e do uso da terra, indicando:
(...)
e)
os volumes e os índices médios relativos à produção obtida;”
Além do Estatuto da Terra, também outros
diplomas legais atribuem tal competência ao INCRA: Decretos nºs. 55.891/65
(arts. 29 e 33), 56.792 (arts. 17, 24 e 29), 72.106/73 (arts. 2º, 20, 27, 32 e
43) e 84.685/80 (arts. 8, ‘b’, 10).
1.6 Portanto, a questão da produtividade e
por conseqüência a renda em que as partes procuram atingir no pacto, podem
extrapolar a relação contratual resultando em sansão determinada pela política
de reforma agrária, caso haja descumprimento dos índices de produtividade,
quando aquém daquele que o imóvel pode proporcionar.
Imaginem! Se por descuido do arrendatário ou
parceiro em relação à produtividade o imóvel for desapropriado. Entendemos que
poderão advir outras conseqüências além da simples rescisão ou redução da
renda, consoante determina o art. 30 do Decreto 59.566, especialmente quando o contratado
vier a dar causa ao fato como acima feito em hipótese, posto que haverá perdas
e danos, ainda que implicitamente.
Art 30. No caso de
desapropriação parcial do imóvel rural, fica assegurado ao arrendatário o
direito à redução proporcional da renda ou o de rescindir o contrato.
Quer nos parecer que a aplicação do
art. 30, supra, encontra ressonância quando o contratante der causa. Mas quando
o contratado não cumprir com suas obrigações, aliás, fixadas no art. 38 do
Decreto 59.566/66, consoante abaixo transcrevemos, entendemos que será culpado
pela situação.
Decreto 59.566/66:
“Art 38. A exploração da
terra, nas formas e tipos regulamentados por este Decreto, somente é
considerada como adequada a permitir ao arrendatário e ao parceiro-outorgado
gozar dos benefícios aqui estabelecidos, quando for realizada de maneira:
I - eficiente, quando
satisfizer as seguintes condições, especificadas no art. 25 do Decreto nº
55.891, de 1965 e as contidas nos parágrafos daquele artigo:
a) que
a área utilizada nas várias explorações represente porcentagem igual ou
superior a 50% (cinqüenta por cento) de sua área agricultável, equiparando-se,
para esse fim, as áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e
artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;
b) que obtenha
rendimento médio, nas várias atividades de exploração, igual ou superior aos
mínimos fixados em tabela própria, periódicamente.
II - Direta e
pessoal, nos termos do art. 8º deste Regulamento estendido o conceito ao parceiro-outorgado;
III -
correta, quando atender às seguintes disposições estaduais no mencionado art.
25 do Decreto número 55.891, de 1965:
a) adote
práticas conservacionistas e empregue no mínimo, a tecnologia de uso corrente
nas zonas em que se situe;
b) mantenha
as condições de administração e as formas de exploração social estabelecidas
como mínimas para cada região.”
Cabe aqui indagar se os critérios
fixados no § 1º do art. 6º [1] da
Lei 8.629/93, quando define o GUT no mínimo em 80% da área aproveitável não
está em contradição com a letra “a”[2] do
inciso I do art. 38 do Decreto 59.566/66 que fixa em 50% da área agricultável.
Pois, ainda que pertençam a institutos diversos, poderão ter incidência, em
tese, controvertida, sempre que uma área arrendada for desapropriada, quando o
arrendatário apenas cumpriu o Decreto utilizando 50% da área agricultável, mas
ficou aquém dos 80% (GUT) da área aproveitável do imóvel!? Essa matéria poderá
ser objeto de novos estudos.
Por fim, a legislação omitiu, melhor dizendo,
o legislador não incluiu como índice para fins de verificar o cumprimento da
função social da propriedade qualquer grau de proteção ambiental no imóvel como
critério de preservação das matas e mananciais. Fato que poderia agregar
critérios para examinar se a propriedade cumpre ou não a sua função social,
objetivando a desapropriação, ou seja, quando notar o elevado grau de
degradação, também deveria possibilitar a desapropriação.
[1] § 1º. O grau de
utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou
superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a
área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel.
[2] a) que a área utilizada nas várias explorações represente
porcentagem igual ou superior a 50% (cinqüenta por cento) de sua área
agricultável, equiparando-se, para esse fim, as áreas cultivadas, as
pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com
benfeitorias;
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