1. Elaboração dos Contratos - A linguagem do Texto
Ao profissional do direito ao ser consultado pelos
interessados na elaboração do pacto,
sugere-se que oriente ou formule o instrumento contratual dentro da linguagem
comum, mais acessível que puder. Sem perder de vista, é claro, a necessária
linguagem técnica aplicável ao texto elaborado.
Justificamos! Em regra as partes envolvidas são pessoas com
uma linguagem voltada ao meio rural e poderão não estar acostumadas com a
técnica contratual direcionada ao meio urbano. Portanto, as sugestões de
minutas em anexo ao presente trabalho pretendem ajudar na prática profissional,
estando moldadas na simplicidade gramatical.
Nessa linha, cabe destacar a precisa distinção entre a
linguagem técnica e a linguagem natural desenvolvida na obra de Warat[1]
que ao discorrer sobre Tipos de Linguagem assim preceitua:
“Elegendo
como matriz os signos e os enunciados (26), o positivismo Lógico estabelece uma
tipologia das linguagens, classificando-as em: naturais ou ordinárias, de
estrutura especificada ou técnicas e formais. Os dois últimos tipos constituem
variações gradativas das linguagens artificiais da ciência. A linguagem
natural pode ser caracterizada como o processo de enunciação efetuado na
comunicação humana, através de componentes sígnicos que apresentam imprecisões
significativas, multiplicidade de regras de formação e carência, na maioria dos
casos, de uma transmissão economicamente organizada, onde a produção de seus
sentidos possui um alto grau de dependência do contexto comunicacional que os
produz (27). A linguagem técnica ou de estrutura específica empregada para
a construção de linguagens especializadas, que requerem precisão lógica,
economia expressiva e formulação de enunciados que possam ser aceitos como
proposições, são, ainda linguagens nas quais o sistema de evocações ideológicas
e cargas emotivas fica excluído.”
(sem grifos no original)
Nessa postura, o profissional do direito enfrentará o
paradoxo da linguagem nos instrumentos de contratos, devendo dosá-la na medida
em que se contemple em seu bojo parte da linguagem natural do meio
comunicacional para quem ou aonde se elabora o pacto. No contraponto, não
poderá deixar de empregar a linguagem técnica necessária para que no tocante a
grafia seja permitida a sua inserção no contexto jurídico dos contratos, e
assim se qualificar em não ser apenas um papel escrito sem a mínima técnica
aplicável à relação intersubjetiva por ele criada e disciplinada, ganhando
juridicidade.
2. A Estrutura Formal Básica do
Instrumento
No art. 12 do Decreto 59.566/66 encontra-se delineado o
formato do contrato, sugerindo ou determinando o conteúdo das principais
cláusulas. A adoção dessa providência
possibilita a visibilidade, a validade e eficácia do negócio entre as partes,
bem como perante terceiros, sem necessidade de previamente dirimir dúvidas e
assim evitando conflitos no decorrer de sua vigência, que por vezes poderá ter
o seu objeto de longa execução.
Na verdade, se a legislação agrária não permitisse a
possibilidade dos contratos poderem ser elaborados de modo verbal, diríamos que
essas cláusulas seriam chamadas de essenciais ou necessárias, uma vez que dão a
feição ao negócio, definindo o objeto, sua modalidade de execução seu valor ou
percentual, prazo etc. Vejamos:
“Art 12. Os contratos escritos deverão conter as seguintes
indicações:
I - Lugar e data da
assinatura do contrato;
II - Nome completo e
endereço dos contratantes;
III - Características
do arrendador ou do parceiro-outorgante (espécie, capital registrado e data da
constituição, se pessoa jurídica, e, tipo e número de registro do documento de identidade,
nacionalidade e estado civil, se pessoa física e sua qualidade (proprietário,
usufrutuário, usuário ou possuidor);
IV - característica do
arrendatário ou do parceiro-outorgado (pessoa física ou conjunto família);
V - objeto do contrato
(arrendamento ou parceria), tipo de atividade de exploração e destinação do
imóvel ou dos bens;
VI - Identificação do imóvel e número do seu registro no Cadastro de imóveis rurais do IBRA (constante do Recibo de Entrega da Declaração, do Certificado de Cadastro e do Recibo do Imposto Territorial Rural).
VI - Identificação do imóvel e número do seu registro no Cadastro de imóveis rurais do IBRA (constante do Recibo de Entrega da Declaração, do Certificado de Cadastro e do Recibo do Imposto Territorial Rural).
VII - Descrição da
gleba (localização no imóvel, limites e confrontações e área em hectares e
fração), enumeração das benfeitorias (inclusive edificações e instalações), dos
equipamentos especiais, dos veículos, máquinas, implementos e animais de
trabalho e, ainda, dos demais bens e ou facilidades com que concorre o
arrendador ou o parceiro-outorgante;
VIII - Prazo de
duração, preço do arrendamento ou condições de partilha dos frutos, produtos ou
lucros havidos, com expressa menção dos modos, formas e épocas desse pagamento
ou partilha;
IX - Cláusulas
obrigatórias com as condições enumeradas no art. 13 do presente Regulamento,
nos arts. 93 a 96 do Estatuto da Terra e no art. 13 da Lei 4.947-66;
X - foro do contrato;
XI - assinatura dos
contratantes ou de pessoa a seu rogo e de 4 (quatro) testemunhas idôneas, se
analfabetos ou não poderem assinar.
Parágrafo único. As
partes poderão ajustar outras estipulações que julguem convenientes aos seus
interesses, desde que não infrinjam o Estatuto da Terra, a Lei nº 4.947-66 e o
presente Regulamento.”
3 - Cláusulas Obrigatórias
Por causa dos abusos e dos atentados
contra a dignidade da pessoa humana, o ordenamento jurídico procurou rever a
teoria geral dos contratos. Passou-se destarte ao domínio do direito público,
certas condutas que até então eram de livre arbítrio das partes.
Por decorrência de inúmeras razões,
entre elas os tratados, convenções internacionais etc, de modo que as
Constituições mais recentes adotaram regras, tanto programáticas, bem como de
auto-aplicação, gerais ou individuais, centradas na proteção da dignidade da
pessoa humana. Certamente essa mudança de paradigmas causou reflexo no direito
dos contratos. Agora o direito privado encontra-se mais humanizado, falando-se
de uma despatrimonialização e de uma repersonalização do Direito Civil em prol
do coletivo. O novo enfoque tem a preocupação direcionada na proteção da pessoa
humana, em sua dignidade de vida, superando assim as questões de ordem
patrimonial.
No direito pátrio é exemplo disso a
Constituição Federal de 1988 que se apresenta com um forte cunho
intervencionista nas relações intersubjetivas, atendendo o caráter social,
publicizando as relações e resolução de conflitos, fazendo com que o próprio
direito civil perdesse a sua essência patrimonial e individual. Basta a simples
leitura do art. 421 do Novo Código Civil, onde relata: “art. 421. A
liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato”. É só compulsar os direitos e garantias individuais fixados no
art. 5º da Constituição Federal de 1988, bem como da função social da
propriedade estabelecido no art. 5º, XXIII e art. 186 da mesma Constituição,
para se chegar a essa conclusão no sentido de profunda mudança de pensamento
filosófico.
Portanto, a Constituição Federal de
1988 recepcionou na íntegra o Estatuto da Terra e seu Regulamento, cujas
essências daquela e deste se completam. De modo que podemos dizer que nos
“Contratos Agrários”, de fato ocorreu uma verdadeira publicização daquilo que
até então era de caráter privado, de modo que a relação individual não poderá
conflitar com os interesses coletivos nem onerar excessivamente as partes, especialmente
o contratado-outorgado, em regra, economicamente mais frágil.
É com essa carga valorativa social que
nos permite afirmar que as Cláusulas obrigatórias se incluem no texto do
contrato, ainda que ali não estejam transcritas, posto que assim estão
implicitamente, como direito das partes irrenunciáveis. Trata-se do conteúdo
determinado no art. 13 do Decreto 59.566/66, que assim dispõe:
“Art 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma,
contarão obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos
naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos
parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº
4.947-66);
I - Proibição de
renúncia dos direitos ou vantagens estabelecidas em Leis ou Regulamentos, por
parte dos arrendatários e parceiros-outorgados (art.13, inciso IV da Lei número
4.947-66);en
II - Observância das
seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais:
a) prazos mínimos, na
forma da alínea " b ", do
inciso XI, do art. 95 e da alínea " b ",
do inciso V, do art. 96 do Estatuto da Terra:
- de 3 (três), anos nos
casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura
temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de
parceria;
- de 5 (cinco), anos
nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura
permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou
extração de matérias primas de origem animal;
- de 7 (sete), anos nos
casos em que ocorra atividade de exploração florestal;
b) observância, quando
couberem, das normas estabelecidas pela Lei número 4.771, de 15 de setembro de
1965, Código Florestal, e de seu Regulamento constante do Decreto 58.016 de 18
de março de 1966;
c) observância de
práticas agrícolas admitidas para os vários tipos de exploração intensiva e
extensiva para as diversas zonas típicas do país, fixados nos Decretos número
55.891, de 31 de março de 1965 e 56.792 de 26 de agosto de 1965.
III - Fixação, em
quantia certa, do preço do arrendamento, a ser pago em dinheiro ou no seu
equivalente em frutos ou produtos, na forma do art. 95, inciso XII, do Estatuto
da Terra e do art. 17 deste Regulamento, e das condições de partilha dos
frutos, produtos ou lucros havidos na parceria, conforme preceitua o art.96 do
Estatuto da Terra e o art. 39 deste Regulamento.
IV - Bases para as
renovações convencionadas seguido o disposto no artigo 95, incisos IV e V do
Estatuto da Terra e art. 22 deste Regulamento.
V - Causas de extinção
e rescisão, de acordo com o determinado nos artigos 26 a 34 deste Regulamento;
VI - Direito e formas
de indenização quanto às benfeitorias realizadas, ajustadas no contrato de arrendamento;
e, direitos e obrigações quanto às benfeitorias realizadas, com consentimento
do parceiro-outorgante, e quanto aos danos substanciais causados pelo
parceiro-outorgado por práticas predatórias na área de exploração ou nas
benfeitorias, instalações e equipamentos especiais, veículos, máquinas,
implementos ou ferramentas a ele cedidos (art. 95, inciso XI, letra " c
" e art.96, inciso V, letra " e " do Estatuto da Terra);
VII - observância das
seguintes normas, visando à proteção social e econômica dos arrendatários e
parceiros-outorgados (art.13, inciso V, da Lei nº 4.974-66):
a) concordância do
arrendador ou do parceiro-outorgante, à solicitação de crédito rural feita
pelos arrendatários ou parceiros-outorgados (artigo 13, inciso V da Lei nº
4.947-66);
b) cumprimento das
proibições fixadas no art. 93 do Estatuto da Terra, a saber:
- prestação do serviço
gratuito pelo arrendatário ou parceiro-outorgado;
- exclusividade da
venda dos frutos ou produtos ao arrendador ou ao parceiro-outorgante;
- obrigatoriedade do
beneficiamento da produção em estabelecimento determinado pelo arrendador ou
pelo parceiro-outorgante:
- obrigatoriedade da
aquisição de gêneros e utilidades em armazéns ou barracões determinados pelo
arrendador ou pelo parceiro-outorgante;
- aceitação pelo
parceiro-outorgado, do pagamento de sua parte em ordens, vales, borós, ou
qualquer outra forma regional substitutiva da moeda;
c) direito e
oportunidade de dispor dos frutos ou produtos repartidos da seguinte forma
(art.96,inciso V, letra " f " do
Estatuto da Terra):
- nenhuma das partes
poderá dispor dos frutos ou dos frutos ou produtos havidos antes de efetuada a
partilha, devendo o parceiro-outorgado avisar o parceiro-outorgante, com a
necessária antecedência, da data em que iniciará a colheita ou repartição dos
produtos pecuários;
- ao parceiro-outorgado
será garantido o direito de dispor livremente dos frutos e produtos que lhe
cabem por força do contrato;
- em nenhum caso será
dado em pagamento ao credor do cedente ou do parceiro-outorgado, o produto da
parceria, antes de efetuada a partilha.”
Bem se observa o caráter jus supra
jura (o direito sobre o direito), descrito no dispositivo, isto é, que são
regras inibidoras da liberdade individual que antes era um direito da pessoa
capaz de contratar, bem como de usar, gozar e dispor do seu bem do modo que lhe
aprouvesse. Portanto, a regra veio ao mundo jurídico para que possa haver o
equilíbrio entre as partes. No dizer de Fernando Pereira Sodero[2] em
sua obra Direito Agrário e Reforma Agrária, sintetiza: “Em resumo:
equilíbrio entre as partes, em lugar da luta de classes ou antagonismos ditados
pelo poder econômico.”. É com esse fim que a legislação deverá ser aplicada
tendo como conseqüência o interesse social.
É bem verdade que em certos momentos da
legislação agrária se repetem artigos, parágrafos ou incisos desnecessariamente
com determinações que já foram objeto de regramento. Também se nota omissão no
que se refere a aplicação de suas regras sobre as modalidades, ora se referindo
a parceria, outra ao arrendamento. Contudo, não percamos de vista que as
cláusulas obrigatórias farão parte dos contratos agrários ainda que não estejam
escritas, por se constituírem em verdadeiras garantias, ou privilégios
irrenunciáveis, dando-se a essas determinações imperativas o caráter de ordem
pública, de obediência obrigatória.
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