domingo, 31 de julho de 2016

O Todo

A expressão “O Todo” que abusivamente adoto, tornou-se meu dogma linguístico. Portanto, tenho que explicar, ainda que para mim mesmo.
Não tenho razão de me prender nisso, pois para alguns seria um holismo ou mesmo coletivismo de há muito adotado, seja considerando o universo, a cidade, a tribo ou outro corpo coletivo como tal. Porém, em qualquer destas situações sempre existirão partes ainda que inexista a liberdade individual. Já havia mencionado a referida linguagem onde me referi que "A parte existe em função do todo, mas o todo não existe em função da parte.” Citando um exemplo disso no texto Tudo é Valor e Não Valor: “Mas o oceano sobrevive sem a baleia, no entanto a baleia não vive sem o oceano, uma vez que ela é apenas contingente. O valor e não valor sobrevive sem o direito, mas o direito não sobrevive sem os valores por ser contingente deles (vide o efeito sombra do direito).”
http://utquid.blogspot.com.br/.../tudo-e-valor-e-nao.... 
Outros poderiam até dizer que o egoísmo está na parte e o altruísmo no coletivo. Numa fria análise, diria que a parte jamais seria emancipada do todo. Não poderíamos tratar a baleia senão o oceano para curar as baleias. Não poderíamos curar o indivíduo, senão apenas combater as epidemias, endemias e pandemias. Não poderíamos punir o indivíduo senão em sanear a sociedade. Levado ao extremo, eu passaria a amar apenas minha tribo e não ao próximo, não havendo mais privado ou individual. Dessa maneira eu seria condicionado ao todo e jamais me emanciparia pelo incondicionado, seria um elemento causal de “o todo”. Não nego que a ideia do todo tem muito sentido e é exemplarmente aplicada nas funções que exigem disciplina e ordem e as partes integram e se submetendo ao todo. Vejamos então que "o todo" no
totalitarismo tem sucesso na esfera militar em que a disciplina está acima de tudo mesmo na paz, passando a vida inteira numa total mobilização. Mas “o todo” pode considerar o indivíduo como um contingente, enveredando pelo caminho em direção do totalitarismo político, sacrificando até mesmo a ética, uma vez que a ética e moral nesse viés será um critério ou interesse do Estado, do todo e não do indivíduo. Então numa república a ideia de o todo pode ser totalitária enquanto regime político, cuja liberdade se pratica apenas pela submissão ao todo, quando em harmonia com o Estado, ou melhor, de acordo com seu líder. O indivíduo está num nível inferior de valor e o Estado não se ajusta às reivindicações dos indivíduos enquanto partes. Mas a totalidade pode estar no grupo ou na tribo a que pertenço e a ética passa a ser ditada pelo grupo ou tribo, daí desaparece a virtude individual e cada um deve adaptar-se ao seu lugar certo, não devendo se afastar. A justiça passa ser universal ou comum do ponto de vista da moralidade totalitária e diria  que de certo modo baseada numa forma jusnaturalista fundada em princípios gerais, desde que satisfizesse ao interesse geral de liderança. Então a estabilidade está no todo e não nas partes. E o racionalismo deixa de ser individual para ser de liderança por um egoísmo coletivo, ou de consciência coletiva, superando a razão.
Vejamos que as teorias de responsabilidade do estado mudariam, pois a responsabilidade civil do Estado vista hoje sob o enfoque de três teorias: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral. Mas se adotarmos uma visão totalitária, a posição defensável por mais adequada seria a da inexistência de indenização, uma vez que o todo não causa prejuízo às partes, ou seja, o totalitarismo se igualaria ao liberalismo dos extremos ou mesmo do absolutismo. Mas num Estado democrático, onde “a parte” tem a liberdade, a responsabilidade civil deve ser vista no mínimo sob o enfoque da teoria subjetivista, inclusive a do Estado, uma vez que somos responsáveis pela escolha dos representantes. Deixo de me aprofundar nessa questão, mas abrindo apenas um viés para que pensamentos filosóficos possam ser pesquisados nesse sentido (em especial o da responsabilidade do Estado). Aqui apenas quero chamar a atenção ao tipo de responsabilidade civil seja do Estado ou do Individuo numa sociedade fechada decorrente de uma consciência coletiva (que se aproxima da sociedade absolutista) que se diferencia da outra sociedade aberta em que os indivíduos são confrontados com decisões pessoais que chamaremos de Sociedade Democrática.
Se adentrasse no âmbito da religião falaria apenas de maneira leiga e diria que “o todo” seria qualificado como uma forma de egoísmo divino, mas que para nós após a dita expulsão do paraíso deixou de existir. Então Deus no primeiro momento da criação foi egoísta sim. Afirma a religião que fez apenas uma criatura completa dizendo ser sua imagem e semelhança – “a imagem e semelhança do todo”, pois tudo se resumia na imagem e semelhança, num eterno e inalterado Paraíso. Depois mudou de ideia, fazendo mais um Ser para companhia do criado, e finalmente autorizou a procriação da espécie humana, estabelecendo leis naturais e as convencionais para seguirmos o fluxo da criação, “contribuindo e usufruindo”. E ainda para que não fossemos inteiramente egoístas, nos tornou perecível enquanto indivíduo, porém imperecível na espécie pela procriação: nascer, viver e perecer num eterno ciclo, motivo pelo qual pudéssemos através de escolhas, as pessoas viverem em união. Assim, dividiu nossa compreensão do tempo entre eternidade que passou e toda a eternidade vindoura, pois antes a eternidade era única. Ficamos, enquanto indivíduo, no meio dos extremos, com a menor parte desse longo tempo. Por isso, se isolados da espécie seremos sempre um “meio” e nunca um fim em si mesmo! Concedeu-nos apenas milésimos do tempo infinito da criação para passarmos aqui na terra! Muito pouco, por vezes nos faltará tempo para realizar as obras do bem e até mesmo para o arrependimento, pois da criança à velhice não há qualquer eternidade, senão apenas um espaço e o inexorável tempo médio de duração que cabem dentro da memória, porém, contendo um inevitável fim de nossa presença física sobre a terra. Tornou-nos perecíveis! Esgotada essa medida, nos leva o único bem valioso, a vida! E ainda nos fez individualmente egoístas, ao queremos agir mais do que meios, senão seguirmos o inevitável fluxo das leis naturais e convencionais da humanidade! Portanto, somos parte, pois ficamos de fora do todo (eterno) e apenas vivemos em união para o bem do todo. Numa aliança.
Milton Luiz Gazaniga de Oliveira

(texto sujeito a modificações) 

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