domingo, 21 de agosto de 2016

O Voto nas Constituições Brasileiras - do Império até a de 1988

(Obs. este texto foi elaborado no ano 2000, portanto, não atualizado)
Diante da proximidade das eleições municipais é sempre bom contar a história do voto. Mas a reflexão que deixo para os especialistas centra-se na opção do voto obrigatório ou facultativo. Disso decorre, ante a conseqüente implicação da liberdade de votar, na perda substancial da participação do cidadão no processo eleitoral, assim como a intensificação do adestramento ideológico (doutrinação e fanatismos) ou na imposição econômica sobre a legitimidade das urnas! Mas o voto seria então um dever, uma obrigação, um direito, uma função publica, dever cívico ou moral? Não sei...
Talvez devesse ser facultativo, mas com a ampliação dos mecanismos de retirada dos maus políticos do poder antes de completar o mandato através de impeachment, recall... Ações políticas-cidadãs por iniciativa popular de x% dos eleitores, em relação ao voto recebido pelo mandatário eleito, apreciado nas casas legislativas com um quorum de 60% dos votos nas duas casas, no caso federal.
                   Antes de adentrarmos efetivamente nos preceitos constitucionais, importante termos em mente alguns enfoques necessários sobre o tema.
                    O Voto integra o gênero dos direitos políticos, trata-se da capacidade eleitoral ativa, como meio necessário ao exercício da soberania popular. Liga-se, assim, à cidadania a qual por sua vez é um atributo político decorrente do direito de participar no governo, cujo núcleo fundamental consubstancia no direito de votar e ser votado. O direito ao voto depende de certas condições estabelecidas no direito positivo: ser brasileiro nato ou naturalizado de qualquer sexo; ser maior de 16 anos; não estar privado temporária ou definitivamente dos direitos políticos; não ser recruta ou durante o serviço militar obrigatório. Inicialmente vale alertar que a interpretação do direito eleitoral tem como regra geral a de assegurar a plenitude dos direitos políticos, sendo a privação ou restrição uma exceção. É esse confronto axiológico que devemos ter em mente.
       Voto ou sufrágio - O sufrágio é universal e o voto é direto secreto e tem valor igual. O sufrágio deve ser entendido como expressão de capacidade eleitoral ativa, e também a passiva, enquanto direito de votar e ser votado. É a aptidão de votar. O voto é o meio pelo qual o cidadão exerce o seu direito de sufrágio. (Melo Filho: p.309). Se exercita o voto também no plebiscito e referendum.
                   A idéia do autogoverno - (do povo) passou às fases da força física para o sorteio, sucessão hereditária e finalmente o de eleição, então como direito.
                   Quanto a extensão do sufrágio: a) universal, b) restrito: censitário e capacitário. Quanto a igualdade: c) igual, d) desigual: plural, múltiplo, familiar.
                   O sufrágio universal se apoia na identidade entre governantes e governados tanto mais real quanto mais amplo aos integrantes da nacionalidade, o art. 14 da CF/88 coincide a capacidade de eleitor com a nacionalidade somado a idade e capacidade. Obedece a uma forma porque é preciso alistar-se, sem restrições de condições de nascimento (nobre, plebeu etc.), fortuna ou capacidade especial.
                   O sufrágio restrito - só conferido a indivíduos qualificados por condições econômicas ou de capacidade especiais. Dividindo-se em sufrágio censitário e capacitário. O censitário concede-se apenas ao indivíduo que preencha determinada qualificação econômica: posse de bens imóveis, de determinada renda ou pagamento de impostos. Por exemplo, no império estavam excluídos de votar nas eleições para Deputados e Senadores os que não tivessem renda liquida anual de duzentos mil réis por bens de raiz. As constituições de 1891 (art. 70, § 1º item 1º) e de 1934 (art. 108, parágrafo único), excluíam os mendigos do direito de sufrágio. E mais, o voto censitário tinha raízes no racionalismo de Jhon Locke onde se argumentava que a classe trabalhadora era incapaz de ter uma vida plenamente racional.
                   O sufrágio capacitário, baseia-se em capacitações especiais, notadamente na natureza intelectual - certo grau de instrução, que seja alfabetizado. Eliminado na EC 25/85, confirmado na CF/88 que conferiu o direito aos analfabetos. Trata-se de um direito decorrente da nacionalidade e seu exercício subordina-se as condições mínimas de capacidade, liberdade e dignidade pessoal - um direito público subjetivo democrático de soberania popular.
                   Sufrágio igual - cada eleitor disponha de número igual de votos dos demais, a isonomia, a cada homem, a cada eleitor, um único voto, cada cidadão o mesmo peso político.
                   Adota-se o voto feminino na CF de 1934.
                   O voto é, pois, distinto do sufrágio, este é direito político fundamental nas democracias política. Aquele emana desse direito, no plano prático voto é o ato político que materializa na prática o direito público subjetivo de sufrágio, contém decisão de poder.
                   Voto não é uma função. É sim uma função pública, mas da soberania popular, traduz o instrumento de atuação desta. Assim, uma função social, que justifica sua imposição como um dever.  Considera-se, portanto, o voto não o simples depósito da cédula na urna, mas a efetiva escolha. O chamado voto em branco não é voto, apenas o cumprimento de um dever jurídico e não o dever social e político.  Atributos de personalidade devem estar presentes e ele próprio votar (sem mandato); liberdade faculdade de escolher o representante, depositar a cédula mesmo que em branco ou anular.
                   A lógica da igualdade pelos liberais, impulsiona a idéia do sufrágio universal, mas o sufrágio universal haveria de resultar o fim do Estado liberal, pois cria-se partidos de massa. Daí os legisladores da Revolução Francesa foram contraditórios, pois ao mesmo tempo em que sustentavam a igualdade de todos, admitiam que a sociedade devesse ser dirigida pelos mais sensatos, mais inteligentes, a elite social, onde se adotou o critério econômico e o intelectual, com o sufrágio restrito. É bem verdade que se constitui em avanço com a eliminação dos privilégios da nobreza.  (Dallari: p.156).
            Segundo Canotilho, na teoria do Direito Eleitoral e soberania nacional, o voto não é um direito mas uma função (teoria-do-eletorado-função) ao contrário na teoria Rousseauniana reconhece o direito pessoal (teoria do eleitorado direito) (Canotilho p.260).
                   Aqui fizemos um corte para refletir: se o sistema representativo tem traços nitidamente políticos e não jurídico, pode se concluir que o mandatário é um fiduciário  e não um delegado do eleitor, pois representa os interesses gerais, políticos (Bobbio: p.46-47)
                   O Brasil tem na sua história sete Constituições, uma no período monárquico e seis no republicano. As mudanças constitucionais, em geral, ocorrem no contexto de importantes mudanças sociais e políticas do país.
Constituição de 1824 – Eleições indiretas e censitárias, com o voto restrito aos homens livres e proprietários e condicionado ao seu nível de renda.
Constituição de 1891 – O voto é universal e não-secreto para homens acima de 21 anos, vetado às mulheres, aos analfabetos, soldados e religiosos.
Constituição de 1934 – Institui o voto obrigatório e secreto e estende o direito de voto às mulheres. Prevê a criação da Justiça Eleitoral.
Constituição de 1937- não há alterações eleitorais apenas Estabelece eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.
Constituição de 1946 – também não apresenta novidades na capacidade eleitoral ativa.
Constituição de 1967 –  do mesmo modo que a anterior não apresenta novidades.
Constituição de 1988 –. O direito de voto é estendido aos analfabetos e aos maiores de 16 anos.

                   Referências Bibliográficas

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo/Norberto Bobbio; tradução de Marco Aurélio Nogueira. Rio de janeiro: Paz e Terra , 1986.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado: 19º ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
MELO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada: São Paulo. Saravia, 1984.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo,    Malheiros, 1995.

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